Dizem que sou uma ativista
diferente e light, pois não julgo ou fico “dando texto” para mulheres que
fizeram uma cesariana eletiva. A questão é que pra mim não faz sentido defender
a autonomia da mulher e julgá-la por uma escolha. Concordo quando dizem que não
há escolha quando não se tem informação. Concordo mesmo. Mas conheço mulheres,
obstetras e pediatras, inclusive, que optam por cesarianas eletivas. Será mesmo
que depois de vários anos estudando elas não estariam cientes de todo risco que
iriam correr?
Porém, o post de hoje não é sobre
escolhas ou julgamentos, mas sim sobre essa cultura do medo que se instalou no
Brasil. Parir aqui virou um ato de bravura, de coragem. Só as índias ou as
loucas escolhem parir nesse país. Se escolher parir em casa, então...corre o
risco de ser chamada de criminosa. E, sinceramente, tenho pensado noite e dia
sobre esse tema. O que aconteceu para que em 10 anos o índice de cesarianas desse
um salto gigante? Por que nos países mais desenvolvidos as mulheres preferem
parir naturalmente? Por que começamos a acreditar que nossos corpos são tão
defeituosos, incapazes de gestar e parir uma criança sem tantas
intercorrências? De onde vem esse pânico de achar que não damos conta das
contrações, do expulsivo? Por que achamos que a nossa vagina é um brinquedinho
que deve continuar irretocável para o nosso marido? E o principal: por que não questionamos
os obstetras quando somos informadas de que não conseguiremos parir? Eu penso
muito sobre isso. Muito mesmo.
Recentemente, saiu uma pesquisa
onde 80% das mulheres dizia querer ter parto normal, mas durante o pré-natal
eram convencidas por seus médicos a desistirem dessa ideia bizarra e perigosa.
Veja bem, sou advogada, ativista e luto ferrenhamente contra a violência
obstétrica. Sei muito bem o quanto alguns médicos mentem para as gestantes, o
quanto elas são aterrorizadas nas consultas e nos exames. Eu sei disso tudo, e
pode ter certeza de que sofro muito toda vez que vejo uma mulher partindo pra
uma cesariana porque o seu bebê estava laçado. Mas essa semana, uma amiga que
mora em Londres há muito tempo me disse que todas as suas amigas brasileiras
que moram lá ou vieram pro Brasil fazer uma cesariana, ou fizeram uma cesariana
lá mesmo. Nesse último caso, penso eu que elas pagaram por isso, apesar de não
poder afirmar com total certeza.
E foi aí que eu parei pra pensar
seriamente sobre esse assunto. Sabemos que a Inglaterra tem um dos melhores
cenários obstétricos do mundo, e que o índice de violência obstétrica de lá é
baixo. Então, porque essas brasileiras não quiseram parir? Será que a cultura
do medo que assola o Brasil não poderia ter sido desconstruída? Será que elas
não conheceram mulheres que pariram por lá?
Eu sei muito bem que quando
tocamos nesse tema, muitas mulheres se ofendem e que, provavelmente, meu inbox
no facebook vai ficar lotado de mulheres querendo se justificar. Mas lembrem-se,
eu não julgo vocês. No começo do meu ativismo eu sofria horrores todas as vezes
que alguma mulher optava por uma cesariana eletiva. Só que depois de muito
apanhar, eu vi que essa é uma porta que se abre de dentro pra fora, que o filho
é dela e o corpo também. Eu posso dar uma alfinetada e despertar uma mulher
para esse tema? Sem dúvida. Mas ela só buscará informação se quiser. Querer
parir é uma coisa. “Querer querer” é outra bem diferente. Portanto, novamente,
quero deixar bem claro de que esse post não é um julgamento, mas um grande
questionamento sobre esse alto número de cesarianas. No total, beiramos os 52,
53%. No setor privado, chegamos aos 82%.
Por que só nós temos a bacia
estreita, fazemos bebês gigantes que se tornam incapazes de sair por nossas
vaginas, não temos dilatação, não parimos bebês laçados, todos os nossos bebês
nascem roxos sem respirar, e por ai vai. Nem preciso dizer que acho a cesariana
uma cirurgia incrível que salva vidas todos os dias. Se um dia precisar dela e
tiver certeza da sua indicação, me submeterei sem titubear.
Mas por que achamos que a dor do
parto é dor de morte e não de chegada, de felicidade? Por que morremos de medo
de perder o controle, de nos encontrarmos com o nosso lado mais bicho, de
enlouquecer ao ver outro ser saindo de nós? Por que temos vergonha de que
nossos maridos nos vejam parindo? Por que insistimos em dizer que não importa a
via de parto, que o bebê sobreviveu e que ele está com saúde? Por que não
sabemos a diferença entre bolsa e placenta, ou quais são as fases do trabalho
de parto? Por que temos medo de soltar o nosso lado fêmea e de se desesperar,
de se agoniar, de urrar de dor até que o nosso filho venha para os nossos
braços? Por que não queremos sentir dor, se a dor é um dos sentimentos mais comuns
de toda nossa vida? Por que não queremos estudar sobre a fisiologia do nosso
corpo? Por que acreditamos cegamente em tudo que os nossos médicos nos dizem?
Por que achamos normal cortamos sete camadas da nossa barriga, mas morremos de
medo de uma laceração de períneo? Por que temos medo de um processo
fisiológico, mas não temos medo de um ato cirúrgico? Por que não queremos
enxergar a indústria da cesariana? Por quê? Por quê? Por quê?
Me responda você.
Mari, mais uma vez, te agradeço. Pelo tempo, pela atenção, pelo cuidado, pelo zelo para com esta causa tão nobre. Eu, como a maioria das brasileiras, aprendi que "parto normal é dor pra cavalo" (com minha mãe! E não vou julgá-la, pois sei que quer o melhor pra mim). Como você mesma disse, quem não tem informação, não pode ter escolha. E sempre foi assim... até que uma prima de Minas Gerais teve um dos primeiros partos domiciliares pelo SUS, e foi lindo (pariu minha priminha no chuveiro, a bebê está hoje com 4 meses). Esta experiência me abriu os olhos... comecei a me informar. E gostar muito do que aprendia a cada dia. Aí conheci você (anjo!) e doula Paty Sampaio (outro anjo!); tive o apoio que precisava. Pra mim, isto é muito importante porque não sou do Recife nem tenho família aí, poucos amigos, etc... é tão confortante saber que tenho com quem contar! Assisti ao Renascimento do Parto. Me abriu os olhos. Conheci meu doutor Renato Grandi Ramalho (nosso doutor mais humanizado do planeta! ANJO profissional!). E, desde então, decidi: vou querer que meu bebê (dentro do meu ventre há mais de 6 meses) venha ao mundo da forma mais delicada possível... e, se eu tiver medo, enfrentarei! Se eu quiser gritar, chorar, urrar... tô dentro! Isso é parir, ser mulher, e a dor é parte da experiência maravilhosamente inesquecível. Obrigada, Mari... por ser quem você é e fazer o que você faz, desde sempre. Um beijo com muito AMOR.
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