segunda-feira, 18 de agosto de 2014

Não somos defeituosas



Dizem que sou uma ativista diferente e light, pois não julgo ou fico “dando texto” para mulheres que fizeram uma cesariana eletiva. A questão é que pra mim não faz sentido defender a autonomia da mulher e julgá-la por uma escolha. Concordo quando dizem que não há escolha quando não se tem informação. Concordo mesmo. Mas conheço mulheres, obstetras e pediatras, inclusive, que optam por cesarianas eletivas. Será mesmo que depois de vários anos estudando elas não estariam cientes de todo risco que iriam correr?

Porém, o post de hoje não é sobre escolhas ou julgamentos, mas sim sobre essa cultura do medo que se instalou no Brasil. Parir aqui virou um ato de bravura, de coragem. Só as índias ou as loucas escolhem parir nesse país. Se escolher parir em casa, então...corre o risco de ser chamada de criminosa. E, sinceramente, tenho pensado noite e dia sobre esse tema. O que aconteceu para que em 10 anos o índice de cesarianas desse um salto gigante? Por que nos países mais desenvolvidos as mulheres preferem parir naturalmente? Por que começamos a acreditar que nossos corpos são tão defeituosos, incapazes de gestar e parir uma criança sem tantas intercorrências? De onde vem esse pânico de achar que não damos conta das contrações, do expulsivo? Por que achamos que a nossa vagina é um brinquedinho que deve continuar irretocável para o nosso marido? E o principal: por que não questionamos os obstetras quando somos informadas de que não conseguiremos parir? Eu penso muito sobre isso. Muito mesmo. 

Recentemente, saiu uma pesquisa onde 80% das mulheres dizia querer ter parto normal, mas durante o pré-natal eram convencidas por seus médicos a desistirem dessa ideia bizarra e perigosa. Veja bem, sou advogada, ativista e luto ferrenhamente contra a violência obstétrica. Sei muito bem o quanto alguns médicos mentem para as gestantes, o quanto elas são aterrorizadas nas consultas e nos exames. Eu sei disso tudo, e pode ter certeza de que sofro muito toda vez que vejo uma mulher partindo pra uma cesariana porque o seu bebê estava laçado. Mas essa semana, uma amiga que mora em Londres há muito tempo me disse que todas as suas amigas brasileiras que moram lá ou vieram pro Brasil fazer uma cesariana, ou fizeram uma cesariana lá mesmo. Nesse último caso, penso eu que elas pagaram por isso, apesar de não poder afirmar com total certeza.

E foi aí que eu parei pra pensar seriamente sobre esse assunto. Sabemos que a Inglaterra tem um dos melhores cenários obstétricos do mundo, e que o índice de violência obstétrica de lá é baixo. Então, porque essas brasileiras não quiseram parir? Será que a cultura do medo que assola o Brasil não poderia ter sido desconstruída? Será que elas não conheceram mulheres que pariram por lá? 

Eu sei muito bem que quando tocamos nesse tema, muitas mulheres se ofendem e que, provavelmente, meu inbox no facebook vai ficar lotado de mulheres querendo se justificar. Mas lembrem-se, eu não julgo vocês. No começo do meu ativismo eu sofria horrores todas as vezes que alguma mulher optava por uma cesariana eletiva. Só que depois de muito apanhar, eu vi que essa é uma porta que se abre de dentro pra fora, que o filho é dela e o corpo também. Eu posso dar uma alfinetada e despertar uma mulher para esse tema? Sem dúvida. Mas ela só buscará informação se quiser. Querer parir é uma coisa. “Querer querer” é outra bem diferente. Portanto, novamente, quero deixar bem claro de que esse post não é um julgamento, mas um grande questionamento sobre esse alto número de cesarianas. No total, beiramos os 52, 53%. No setor privado, chegamos aos 82%.

Por que só nós temos a bacia estreita, fazemos bebês gigantes que se tornam incapazes de sair por nossas vaginas, não temos dilatação, não parimos bebês laçados, todos os nossos bebês nascem roxos sem respirar, e por ai vai. Nem preciso dizer que acho a cesariana uma cirurgia incrível que salva vidas todos os dias. Se um dia precisar dela e tiver certeza da sua indicação, me submeterei sem titubear.

Mas por que achamos que a dor do parto é dor de morte e não de chegada, de felicidade? Por que morremos de medo de perder o controle, de nos encontrarmos com o nosso lado mais bicho, de enlouquecer ao ver outro ser saindo de nós? Por que temos vergonha de que nossos maridos nos vejam parindo? Por que insistimos em dizer que não importa a via de parto, que o bebê sobreviveu e que ele está com saúde? Por que não sabemos a diferença entre bolsa e placenta, ou quais são as fases do trabalho de parto? Por que temos medo de soltar o nosso lado fêmea e de se desesperar, de se agoniar, de urrar de dor até que o nosso filho venha para os nossos braços? Por que não queremos sentir dor, se a dor é um dos sentimentos mais comuns de toda nossa vida? Por que não queremos estudar sobre a fisiologia do nosso corpo? Por que acreditamos cegamente em tudo que os nossos médicos nos dizem? Por que achamos normal cortamos sete camadas da nossa barriga, mas morremos de medo de uma laceração de períneo? Por que temos medo de um processo fisiológico, mas não temos medo de um ato cirúrgico? Por que não queremos enxergar a indústria da cesariana? Por quê? Por quê? Por quê? 

Me responda você.